Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, encontrou um “jeitinho” de colocar em prática um dos seus intentos de campanha, do qual recuou após intensas críticas, o de dispensar os policiais militares de usar câmeras de segurança corporais durante diligências.
Ignorando os números positivos produzidos pela medida, Tarcísio começou a distribuir os equipamentos para os policiais que trabalham na fiscalização do trânsito. Cerca de 400 câmeras das dez mil já existentes foram encaminhadas para batalhões da Polícia Militar na região central e também na Zona Sul da capital paulista.
A medida ocorreu depois de Tarcísio usar a desculpa de que o estado não tem tecnologia suficiente para colocar o dispositivo na farda de todos os batalhões de choque. Sem investir na compra de novas câmeras, o governador bolsonarista anunciou a abjeta medida semanas após as denúncias de execuções praticadas por policiais no âmbito da Operação Escudo, no litoral do estado.
Durante as ações que até o momento já totalizam 18 mortes em menos de um mês, em seis dos casos não há imagens dos equipamentos segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. A operação, deflagrada no fim de julho após o assassinato do policial da Rota Patrick Reis, reúne cerca de 600 policiais, de diferentes batalhões.
A secretaria afirma que, das 16 mortes por intervenção policial confirmadas oficialmente, dez tiveram participação de agentes que usavam câmeras corporais. A pasta diz ter enviado imagens de sete desses casos para averiguação de órgãos de controle. “Efeito positivo na produção de provas”, diz especialista.
“Na prática, a produção das imagens, ela tem um efeito muito positivo do ponto de vista da produção de provas. Um dos grandes debates da sociedade brasileira hoje, gira em torno da impunidade. Da dificuldade que a gente tem que de condenar criminosos em casos que variam desde violência doméstica, tráfico de drogas, passando por crimes contra a vida”, analisa Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que as câmeras corporais contribuíram para um aumento de 102% no número de casos de violência doméstica em investigação, entre janeiro de 2019 e julho deste ano. O professor da instituição Rafael Alcadipani critica a postura do governo paulista e questiona qual seria a justificativa de priorizar um policiamento que atua em ocorrências de menor gravidade, como o de trânsito.
“Existem outras unidades da polícia onde essas câmeras corporais fazem mais sentidos do que no policiamento de trânsito. A pergunta que fica é se existe algum interesse em tentar diminuir a presença de câmeras onde interessa.”
Ele acredita que fazer a transferência de câmeras para o policiamento de trânsito pode ser uma estratégia para reduzir a transparência da polícia em situações que requerem a presença dos equipamentos, sem diminuir o número total dos dispositivos.
Um estudo do FBSP e da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) observou a redução da letalidade policial após uso dos dispositivos. A quantidade de pessoas mortas por policiais militares em serviço – as Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) – foi a menor da história em 2022 com a ampliação do Programa Olho Vivo (agora estacionando pelo atual governo). O total caiu de 423 mortes em 2021 para 256 em 2022.
Os pesquisadores destacam que, embora a letalidade produzida por policiais militares passe a recuar a partir de 2018 entre crianças e adolescentes, a queda se acentua a partir de 2020, ano de implementação da tecnologia. As câmeras corporais estão presentes em metade dos batalhões no Estado. Entre eles, a Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), um dos batalhões de elite da PM.
Além disso, nos batalhões que adotaram o uso das câmeras corporais houve uma redução de 76,2% na letalidade dos policiais militares em serviço entre 2019 e 2022, contra 33,3% nos demais. O número de adolescentes mortos em intervenções de policiais militares em serviço caiu 66,7%, passando de 102 vítimas em 2019 para 34 em 2022.
A polícia não informou em quais unidades estavam as câmeras encaminhadas aos agentes de trânsito, mas alega que “com uma medida de eficiência, a atual gestão colocou mais policiais com câmeras nas ruas sem afetar qualquer batalhão que já dispõe do sistema”.
A informação é, no mínimo, contraditória. Para justificar o não uso do equipamento por policias da Operação Escudo, Tarcísio alegou justamente que “a gente não tem câmeras para todas as unidades. Temos 10 mil câmeras para 90 mil policiais. Existem batalhões que têm câmera, e que não têm câmera.”
Durante a campanha eleitora de 2022 ele criticou o uso das câmeras corporais, alegando que o equipamento prejudica o trabalho da polícia, sem apresentar, porém, quaisquer dados que corroborassem a sua tese. A não ser a intenção de chaleirar o ex-presidente Jair Bolsonaro, à época, candidato à reeleição e ferrenho defensor do armamentismo.