Em 2022, as importações vindas da Arábia Saudita para o Brasil atingiram um recorde, desde que há registros: foram US$ 5,3 bilhões. O valor mais alto havia sido registrado em 2014, havia sido de US$ 3,3 bilhões.
Os dados disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) vão até 1997. Analistas listam como explicações para o recorde a alta mundial nos preços do petróleo e de outros produtos devido aos efeitos da pandemia de covid-19 e da guerra da Ucrânia, mas também a aproximação entre Brasil e a Arábia Saudita durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), de 2019 a 2022.
Após uma queda brusca no primeiro ano da pandemia (2020), as importações vindas da Arábia Saudita voltaram a crescer em 2021, ficando em US$ 2,9 bilhões. De 2021 para 2022, o valor importado subiu 84%. Os valores são nominais, ou seja, não consideram a variação da inflação.
Vale lembrar que em 2021 membros da gestão Bolsonaro voltaram de uma viagem ao país e trazendo joias e presentes valiosos que não foram declarados. Os itens, segundo afirmaram na ocasião a funcionários no aeroporto de Guarulhos, seriam presentes da Arábia Saudita ao ex-presidente e à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.Em 2022, nada menos que 60% do valor das importações foram de óleos brutos de petróleo e de minerais betuminosos; 16% de adubos e fertilizantes químicos; e 14% de óleos combustíveis de petróleo e de minerais betuminosos. O restante dos percentuais é composto por produtos intermediários da indústria.
De 2021 a 2022, o valor importado apenas de óleos brutos e minerais betuminosos dos sauditas subiu 132%, de US$ 1,38 bi para US$ 3,2 bi.
Na verdade, embora não na mesma dimensão, o mercado internacional de petróleo bruto passou em 2022 por uma alta no preço do barril do tipo brent, que é uma referência mundial.
“Historicamente, o Brasil sempre foi dependente do petróleo da Arábia Saudita. Como a Arábia Saudita é um dos principais produtores do mundo e tem um tipo de petróleo diferente do nosso, costumamos importar o petróleo leve para misturar com o petróleo pesado que o Brasil produz, gerando gasolina para o mercado interno”, explica o presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.Castro resume que a balança comercial entre Brasil e Arábia Saudita é simples: o primeiro exporta commodities e importa produtos relacionados ao petróleo.
Circunstâncias específicas no Brasil nos anos recentes aumentaram a demanda por combustíveis, como a maior necessidade por óleo diesel pelas termelétricas por conta de secas.
A própria retomada da atividade econômica, com aumento do PIB de 5% em 2021 e de 2,9% em 2022, também se reflete na maior demanda por combustível.
“Quando a balança comercial é assim, com poucos produtos, você não tem muita flexibilidade: se o produto principal tem queda ou aumento, automaticamente tem um impacto na balança”, diz Castro.
“Mas a tendência é que o déficit na balança comercial diminua porque o preço do petróleo está diminuindo”, acrescenta.
Outro possível reflexo da guerra da Ucrânia foi o aumento de 86% do valor de fertilizantes sauditas importados pelo Brasil de 2021 a 2022.
A Rússia, que trava a guerra contra a Ucrânia, foi nos últimos anos a principal fornecedora deste item ao Brasil.
Já as exportações brasileiras para os sauditas alcançaram US$ 2,1 bilhões em 2021 e US$ 2,9 bilhões em 2022, valor um pouco abaixo do recorde de exportações registrado em 2011, de US$ 3,5 bilhões.
No ano passado, destacaram-se no valor exportado as carnes de aves e miúdos (29%); e os açúcares e melaços (14%).
Em um texto publicado pela agência de notícias da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, o secretário-geral da instituição, Tamer Mansour, afirmou que a guerra teve efeitos nas exportações brasileiras.
“O conflito também teve como efeito a restrição da oferta global de grãos, sobretudo milho e trigo. A consequência foi que os árabes buscaram esses e outros produtos entre fornecedores com mercadoria disponível, o que levou à alta nos preços acima da inflação [5,79%, para o IBGE], com lucros ainda favorecidos pela baixa do real”, explicou Mansour.
Para Maiko Gomes, graduado e mestre em relações internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), “definitivamente” houve um outro fator que contribuiu para o aumento das importações e exportações entre os países nos últimos dois anos: a aproximação do governo Bolsonaro dos sauditas.
“Apesar de o Brasil ter se beneficiado de outros contextos a nível internacional, como a guerra da Ucrânia e a alta no preço do petróleo, esses diálogos estreitaram as relações entre o Brasil e segmentos internos da Arábia Saudita, principalmente da zona industrial”, explica Gomes, que pesquisa temas relacionados ao Oriente Médio.
José Augusto de Castro, por sua vez, avalia não haver elementos suficientes para garantir que o governo teve tamanha influência e brinca que “o petróleo não tem nada a ver com o colar [de brilhantes]”, referindo-se às joias apreendidas.
Em 2019, Bolsonaro fez uma visita oficial ao país árabe e afirmou que estava “apaixonado pela Arábia Saudita” e que tinha uma “certa afinidade” com o príncipe Mohammed bin Salman.
Uma declaração conjunta na ocasião anunciou a intenção de se negociar formas de evitar a dupla tributação e de expandir os investimentos entre ambos países.
Também foi manifestado o interesse do Fundo Soberano saudita em investir US$ 10 bilhões no Brasil, principalmente em projetos de infraestrutura.
O governo brasileiro apresentou posteriormente alguns projetos ao fundo, como o projeto de ferrovia Ferrogrão e o de irrigação no Baixo do Irecê. Entretanto, a promessa de investimento do fundo nunca foi concretizada.
Mas outros diálogos, encontros e negócios entre ambas as partes vingaram.
Os dois países continuaram mantendo relações com fins comerciais. Em outubro de 2021, por exemplo, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, voltava de um evento na Arábia Saudita sobre empreendimentos sustentáveis quando ele e o assessor Marcos André Soeiro foram parados em Guarulhos carregando as joias.
“Um dos elementos cruciais para que nós possamos entender esse crescimento diz respeito aos diálogos iniciados ainda em 2019 entre o Brasil, naquele contexto representado pela Casa Civil e sete outros ministérios, e a zona industrial de Abu Dhabi, o Kezad”, aponta o mestre em relações internacionais.
O Kezad é uma área industrial e portuária que, apesar de pertencer aos Emirados Árabes, tem incentivos e parcerias com a Arábia Saudita.
“Os diálogos tinham o intuito principal de elaborar mecanismos para atrair a atenção de empresas brasileiras para o Kezad. Ao final de 2019, a única empresa brasileira na Kezad era a BRF, responsável pela exportação de proteína animal. Atualmente, já são mais de 20 empresas brasileiras naquela área”, explica o especialista.