Da “rachadinha oficial” ao roubo da despensa: Alvorada parecia “Casa da mãe Joana”

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Uma reportagem feita no domingo (5), pelo site Metrópole, revelou que a família de Bolsonaro fez a farra no Palácio do Alvorada, durante os anos em que ali estiveram.

Entre as “baixarias” estão, desde o filho “zero quatro” transformar a dispensa do palácio em mercado particular para abastecer a sua casa, até funcionários serem usados para transportar dinheiro vivo de uma assessora parlamentar e entregar para a primeira dama.

As denúncias foram feitas por funcionários e apontam assédio moral aos trabalhadores, barracos entre os filhos de Bolsonaro e a primeira dama, ataques de violência por parte de Bolsonaro, com arrombamento da adega do palácio, transações financeiras pouco usuais, roubos de alimentos da dispensa e até a morte das carpas do espelho d’água para que o pastor, que administrava o Alvorada, pudesse pegar as moedas lançadas pelos visitantes.

Funcionários dizem que pastor Francisco levou as moedas embora, dizendo que as doaria para uma igreja. “Se ele doou ou não, não sei, mas ele falou que era a mando da Michelle”, relata um empregado do palácio, que comentou com horror sobre o absurdo. O pastor, a despeito da amizade íntima com o casal Bolsonaro, até se movimentou para ficar no Alvorada de Lula. Não conseguiu. Foi exonerado no último dia 5 de janeiro.

Funcionários da confiança de Bolsonaro e de Michelle, no apagar das luzes, levaram embora caixas e mais caixas de picanha, camarão e bacalhau comprados com dinheiro público que estavam armazenadas na câmara frigorífica anexa à cozinha.

Há evidências ainda, de que Michelle, primeira-dama do Brasil até 31 de dezembro passado, recebia com regularidade, no Alvorada, envelopes de dinheiro enviados por Rosimary Cardoso Cordeiro, amiga íntima que no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro viu seu salário de assessora no gabinete de um senador governista ser quase triplicado.

Os indícios, que poderão ser esquadrinhados minuciosamente na investigação em curso no STF, apontam para mais uma “rachadinha” no ex-clã presidencial. Áudios e outros registros comprovam que assessores de Michelle no Palácio da Alvorada, tinham por tarefa pegar com Rosimary Cardoso Cordeiro, seja no prédio dela, no Riacho Fundo, região administrativa do DF, seja em um ponto de encontro entre o Planalto e o Congresso Nacional, os envelopes recheados de notas de reais.

Além disso, várias vezes por mês, a equipe encarregada de auxiliar Michelle recebia a incumbência de passar no Planalto para pegar os recursos, em espécie, na sala do tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Cid. Ele é investigado, entre outras coisas, pela suspeita de gerenciar o caixa 2 palaciano com verbas que tinham como origem, inclusive, saques feitos na boca do caixa com cartões corporativos do governo.

Mensagens obtidas com exclusividade pelo jornal mostram que bastava um pedido de Michelle para que Cid autorizasse os assessores da primeira-dama a retirarem o dinheiro, no Planalto, com alguns dos militares que integravam seu time na ajudância de ordens do então presidente da República. Também era ele quem providenciava depósitos, igualmente em dinheiro vivo, na conta pessoal da mulher de Jair Bolsonaro.

Michelle Bolsonaro também estaria usando um cartão de crédito adicional de Rosimary Cardoso Cordeiro, uma amiga de mais de 15 anos que conheceu quando ambas trabalhavam em gabinetes da Câmara dos Deputados.

Investigações conduzidas pela Polícia Federal sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, descobriram que as faturas do cartão eram pagas com dinheiro em espécie administrado pelo tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ajudante de ordens e um dos principais homens de confiança de Jair Bolsonaro até 31 de dezembro.

A relação insólita já havia despertado a curiosidade dos investigadores. Por que, afinal, a primeira-dama do Brasil usava um cartão de uma terceira pessoa, e os boletos eram pagos sempre em espécie pelo militar suspeito de administrar uma espécie de caixa 2 dentro da Presidência em que se misturavam recursos públicos e privados, inclusive de saques de cartões corporativos oficiais?

Jair Renan, por sua vez, gozava também de grande mordomia no palácio. No período em que morou no apartamento que o pai mantém no Sudoeste, bairro nobre da capital, ele não só passava regularmente no depósito de alimentos do Alvorada para recolher itens e abastecer a própria despensa como era servido, diariamente, com comida fresca preparada na cozinha do palácio que os motoristas da Presidência eram incumbidos de entregar, a bordo de carros oficiais. Até que veio um dos entreveros com Michelle e uma das regalias foi cortada sumariamente.

A suspensão da “entrega de marmita” para o “04”, era assim que os servidores se referiam à tarefa, se deu após uma apimentada intriga palaciana. Os funcionários teriam avisado Michelle de que, a certa altura, Jair Renan passou a pedir comida não só para si, mas também para uma segunda pessoa. Não demorou para que alguns funcionários do staff informassem a primeira-dama de que a tal “segunda marmita” era para a mãe do 04, Ana Cristina Valle. A ex de Jair Bolsonaro e Michelle são inimigas declaradas. A primeira-dama, então, ordenou que as entregas pela equipe do Alvorada, uma espécie de iFood oficial, à custa dos cofres públicos, fossem cortadas de vez.

As visitas que “04” fazia na despensa do Alvorada, seu mercado particular, costumavam ocorrer quando o pai dele estava no palácio. Em uma das ocasiões, Bolsonaro estava fora e Jair Renan foi mesmo assim. Michelle foi avisada e seguiu ao encontro dele. Logo estava armado mais um barraco presidencial. Houve dedos em riste e xingamentos de parte a parte, na frente dos funcionários. Jair Renan chegou a avançar na direção dela e precisou ser contido pelo segurança que o acompanhava.

O episódio do arrobamento da adega por Bolsonaro foi descrito por um dos funcionários. Jair Bolsonaro recebia um visitante no Alvorada quando teve a ideia de presenteá-lo com uma garrafa de vinho. Os dois foram, então, até a adega, instalada em um dos cômodos do subsolo do palácio, perto da cozinha.

Ao chegar lá, o então presidente encontrou a porta trancada e pediu aos empregados de plantão que lhe trouxessem a chave. Foi avisado de que havia uma ordem expressa de Michelle para que a adega não fosse aberta para absolutamente ninguém – nem mesmo para ele.

Entre os funcionários, o motivo da ordem era sabido, embora não fosse pronunciado com todas as letras em razão da sensibilidade do assunto: Michelle estava enfurecida porque Jair Renan, filho “04” de Bolsonaro, andava visitando o Alvorada fora de hora – longe dos olhos dela, mas com o aval do pai – e levando consigo garrafas de bebidas.

Para frear a farra do playboy, seu desafeto, a saída foi mandar trancar a adega e baixar a determinação, que passou a ser cumprida a ferro e fogo. Os funcionários tinham mais medo da primeira-dama do que do próprio Bolsonaro.

Até chegar na adega, Bolsonaro não sabia da ordem de Michelle. Descobriu quando passou pelo constrangimento de, na frente do convidado, ouvir dos funcionários que a porta simplesmente não poderia ser aberta. Enfurecido, diante da visita e dos serviçais, arrombou a adega e pegou a garrafa de vinho que queria dar de presente. Não sem antes se queixar da situação. A porta passou dias quebrada.

Em fevereiro de 2021, a tarefa de comandar a máquina do Alvorada foi confiada por Michelle ao pastor Francisco de Assis Castelo Branco, próximo da família desde os tempos em que ela e Bolsonaro moravam no Rio. Francisco, ou Chico, como era chamado na intimidade do clã, é marido de Elizângela Castelo Branco, intérprete de Libras que, de tão íntima da ex-primeira-dama, chegou a acompanhá-la na viagem de fim de ano à Flórida. Ainda no Rio, Michelle, Elizângela e Francisco integravam um núcleo da Igreja Batista Atitude voltado à comunidade surda.

Com a vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018, o casal se mudou para Brasília e foi empregado no governo. Francisco ganhou primeiro um cargo no Planalto, com salário de R$ 5,6 mil. Depois, foi transferido para o Alvorada ganhando quase o dobro. Na função de coordenador do palácio, ganhou dos empregados o epíteto de “pastor-capeta” pelo rigor com que tratava os subordinados.

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