O presidente Jair Bolsonaro decidiu bloquear a liberação de emendas de relator um dia após a declaração do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, e de seu partido, de que apoiariam o deputado Arthur Lira para a presidência da Câmara.
Isso mostra, de imediato, duas coisas. Primeiro, desmente Bolsonaro que dizia em campanha que não interferia nesses assuntos de emendas. Segundo, revela que ele não tem o menor compromisso com os serviços públicos essenciais à população brasileira.
Alguns desses serviços estão literalmente parando de funcionar por conta da falta de recursos e o descalabro orçamentário do governo. O governo Bolsonaro “promoveu uma profunda desestruturação do Estado em suas várias dimensões”.
Do total de R$16,5 bilhões previstos para este ano nas verbas destinadas às emendas do relator, Bolsonaro bloqueou R$7,8 bilhões.
A alegação é que faltam recursos para outras áreas da administração. No entanto, a decisão não é técnica, mas uma simples represália ao ex-aliado para que este não consiga honrar os compromissos de emendas assumidos com prefeitos durante a campanha eleitoral.
Casos graves estão ocorrendo, como, por exemplo, a ausência de remédios nas farmácias e postos de saúde, a interrupção da expedição de passaportes, a falta de verbas para obras contra enchentes, a iminência da perda de cerca de 13 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, com prazo de validade prestes a expirar e outros descalabros do final de mandato.
Lira tentou minimizar os problemas causados pela decisão de Bolsonaro e negou que ela seja uma represália por sua não adesão à trama golpista do Planalto.
O redator aproveitou para reafirmar que manterá sua independência em relação ao novo governo.
Nos bastidores, os aliados do presidente da Câmara apoiaram a inclusão na PEC da Transição, apresentada pelo governo Lula, de uma cláusula que permite a liberação ainda este ano dos recursos advindos do excesso de arrecadação.
A decisão de Bolsonaro de retaliar Lira pela aproximação com o novo governo veio junto com as hostilidades sofridas pelo presidente da Câmara durante jantar promovido pelo PL na noite de terça-feira (29).
Ele foi chamado de traidor da Pátria e omisso por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) ao chegar ao jantar em Brasília. “Covarde e traidor”, gritaram os bolsonaristas mais exaltados. Outras pessoas perguntaram como o presidente da Câmara “dorme à noite”, enquanto outros o acusaram de “vendido”. A não adesão de Lira ao golpe indignou as milícias bolsonaristas.
Enquanto isso o novo governo trabalha para garantir a verbas para o combate à fome e a retomada dos investimentos produtivos.
Nessa quarta-feira (30) a Comissão do Orçamento aprovou um parecer que autoriza aumento das despesas no ano que vem para projetos que estejam tramitando ainda este ano. A medida é uma brecha, que pode ser aprovada antes da PEC da Transição, autorizando o aumento das despesas no orçamento de 2023 com projetos que estão tramitando. A possibilidade é prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, aprovada em julho, e sancionada por Bolsonaro.
O presidente Lula assumiu pessoalmente as negociações junto aos partidos para a aprovação da PEC. O relator geral do orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), está otimista com a aprovação da PEC da Transição até o final do ano. Ele não vê possibilidade de que ela não seja viabilizada.
“Qualquer que fosse o presidente eleito, menos o padre Kelmon, nós estaríamos aqui discutindo uma PEC, não há como nós fecharmos o orçamento de 2023 com os números enviados pelo Executivo”, disse Castro na reunião da Comissão Mista de Orçamento.