Mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) denunciaram uma clínica particular de Duartina por supostas agressões e torturas contra as crianças.
Uma funcionária, contratada como acompanhante terapêutica de um dos meninos atendidos registrou imagens, áudios e vídeos das crianças durante o atendimento com uma fonoaudióloga e as entregou à polícia. A funcionária disse que optou por formalizar a denúncia quando viu ele receber um tapa.
“As crianças não estavam tendo atendimento. A fonoaudióloga falava com as mães, mas as crianças ficavam na sala comigo e eu estou cursando a psicologia, ainda não tenho esse repertório de fazer o tratamento adequado”, disse.
Quando se deu conta do que estava vivenciando na clínica, a funcionária ressaltou que ficou abalada psicologicamente.
“Quando presenciei a olho nu, eu falei para a minha chefe, a que havia me contratado como acompanhante, que não queria trabalhar mais lá. Ainda fiquei na clínica quase um mês pra registrar esses momentos. O que eu presenciei nunca vou tirar da cabeça. Não tem sentimento pior. Fiz tudo pelas crianças”, finalizou.
O celular da funcionária foi apreendido pela delegacia que investiga o caso. De acordo com o delegado Paulo Calil, as filmagens feitas com o aparelho foram encaminhadas para perícia para serem avaliadas. O laudo dos vídeos deve ser emitido ainda nesta semana.
O delegado também disse que apura o crime de tortura, que se comprovado é inafiançável.
Uma das mães relatou que suspeitou do comportamento alterado do filho, de 2 anos, após consultas com uma fonoaudióloga da clínica que começaram no dia 8 de junho de 2021.
Na época, ela procurou atendimento quando percebeu que o menino não desenvolveu a fala, além de se alimentar apenas com comidas específicas. Depois de levar o filho à consulta, foi recomendado pela fonoaudióloga, segundo a mãe, que levasse o menino a um neurologista pediátrico.
A mãe então levou o garoto ao profissional em 15 de junho de 2021, e o menino foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em grau leve para moderado pelo neurologista. A partir daí, a criança passou a ter consultas regulares com a fonoaudióloga.
“Toda sexta-feira, meu filho ia à terapia com a fonoaudióloga e com a terapeuta ocupacional. Nós não tínhamos acesso às terapias, eram reservadas. Nesse tempo não observamos nada de anormal”, conta.
Em paralelo a isso, a mulher explicou que foi orientada a levar o filho à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Garça, em julho de 2021. No local, ele também começou a ser acompanhado por fonoaudiólogas, psicólogas e terapeutas ocupacionais.
Pela APAE trabalhar com outro método de acompanhamento que não o ABA (Análise de Comportamento Aplicada – em português), como utilizado previamente pela fonoaudióloga da clínica particular, os profissionais recomendaram que a mãe escolhesse um dos locais para tratamento do filho, a fim de não o confundir.
“Quando ele entrou na APAE eu percebi um avanço muito grande. Antes, ele não conseguia lidar com nada, mas melhorou o lado sensorial. Ele ainda não é 100% verbal, não entendemos muita coisa, mas tem melhorado muito. Ele já fala ‘mamãe’ e ‘papai’, por exemplo”, recorda.
As profissionais da APAE emitiram um relatório com apontamentos de melhora no tato, no sensorial e, principalmente, na fala. A mãe também relatou que chegaram a cogitar uma nova consulta com outro neurologista para comprovar o diagnóstico de TEA, já que poderiam ter diagnosticado o esterotipismo de autista de forma precipitada.
A mãe levou então a criança à uma neurologista pediátrica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e foi levantada a hipótese de ser apenas um atraso de fala, com recomendação de que o paciente continue o atendimento periódico, além do acompanhamento com a APAE.
“Na primeira consulta, a médica falou que não fecha o diagnóstico para autismo antes dos 3 anos. Meu filho tinha 2 anos e 8 meses, mas na observação ela falou que ele não possui características para o autismo”, comentou a mãe.
Quando o filho completou 3 anos, a mãe o encaminhou à uma pediatra na Unidade Básica de Saúde (UBS) para consulta de rotina e na ocasião o menino se incomodou quando a médica examinou seus órgãos genitais.
Segundo a mãe, o menino começou a recusar o toque nos órgãos em específico depois que começou a frequentar a fonoaudióloga da clínica particular de Duartina, sem razão aparente, até então.
Assim que percebeu essa alteração de comportamento, outras mães também entraram em contato com ela com relatos parecidos. Ela contou que o delegado responsável pelas investigações do caso, Paulo Calil, a orientou a encaminhar o menino para psicóloga.
Essa, por sua vez, recomendou que a mãe gravasse um vídeo em que pergunta ao menino a respeito do órgão genital, relacionando ao período que foi atendido pela fonoaudióloga, na tentativa de descobrir o que motivou a recusa.
No vídeo a mãe pergunta: “Onde a tia pegava e colocava a mãozinha?”. Logo o menino responde e aponta com o dedo sob a fralda: “Aqui”. Para todas as vezes que a mãe questiona, a criança confirma que a profissional tocava no órgão, apesar de afirmar não sentir dor.
Outra mãe ouvida pela reportagem contou que o filho, de 9 anos, era trancado em salas no consultório da fonoaudióloga. Ela descobriu o ocorrido quando foi chamada à delegacia e viu a foto que mostra as mãos do menino no vidro.
De acordo com esta mãe, o menino foi diagnosticado com autismo em grau severo aos dois anos e meio. Desde então, o filho é acompanhado por essa fonoaudióloga.
A mãe, no entanto, lembra que começou a perceber que o filho não estava evoluindo no tratamento desde o final de 2020. Por isso, quando foi chamada à delegacia, acreditava que se tratava da denúncia de falta de atendimento, já que um boletim de ocorrência desse teor já havia sido registrado.
“No dia 9 de junho deste ano fui chamada à delegacia. Eu achava que eles iam me perguntar dessa falta de atendimento, que eu também vinha percebendo. Mas, não. Eu descobri que meu filho era trancado em salas do consultório. Não estava esperando. Eu confiava nela”, lembra.
Ainda segundo esta mãe, o filho voltava para a casa com as roupas urinadas e, algumas vezes, sem camiseta. No mesmo dia em que foi à delegacia, a mãe disse que parou de levar o menino às consultas.
Ainda, uma terceira mãe explicou que o filho, de 6 anos, teria sido agredido na boca pela fonoaudióloga, a criança teria levado um tapa por ter mordido a profissional.
O menino foi diagnosticado com autismo também em grau severo e, desde os 2 anos, é levado para o acompanhamento multidisciplinar. Há dois anos, segundo a mulher, o filho também não demonstra evolução no tratamento.
“É muito difícil, eu sei de onde o meu filho veio, sei o que ele passou pra chegar onde está. É uma criança que não sabe falar, que não sabe se expressar. Ele é extremamente vulnerável. O tapa doeu muito mais em mim. Desumano”, lamenta.
No fim de maio deste ano, a criança parou de fazer o acompanhamento nesta clínica particular com a justificativa do descaso no atendimento. Com orientação de outras profissionais, a mãe afirma que o pequeno já consegue, por exemplo, ficar sentado.