A proporção de famílias com contas atrasadas em outubro a 30,3%, o maior nível desde o início da série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), iniciada em janeiro de 2010. Em um ano, o indicador da inadimplência avançou 4,7 pontos percentuais, o maior desde março de 2016.
José Roberto Tadros, presidente da CNC, destacou que essa é a quarta alta mensal seguida quanto ao volume de consumidores com dívidas atrasadas. Isso se deve ao orçamento doméstico apertado, principalmente entre as famílias de menor renda. “O nível de endividamento alto e os juros elevados pioram as despesas financeiras associadas às dívidas em andamento, ficando mais difícil quitar todos os compromissos financeiros dentro do mês”, resumiu Tadros.
A pesquisa divulgada nesta segunda-feira (7) pela CNC mostra que o endividamento variou em queda de 0,1 ponto percentual em outubro, após três altas consecutivas. Porém, no total, o endividamento atinge 79,2% dos lares brasileiros.
Izis Ferreira, economista e responsável pela pesquisa, também alertou que “os juros altos têm dificultado o pagamento das contas dentro de um mês”.
“Nunca tínhamos tido uma proporção tão alta de famílias com dívidas atrasadas”, afirmou Izis Ferreira à Folha S. de Paulo. constatando que “temos um problema latente que é o risco dessa inadimplência atingir proporções cada vez maiores, o que tem um impacto na própria capacidade de pagamento no futuro”.
Os brasileiros estão se endividando mais com o cartão de crédito e no cheque especial, em meio à carestia, a queda na renda e o alto nível de desemprego que cerca o país. A pesquisa da CNC mostra que as dívidas com essas duas modalidades de crédito foram as que mais aumentaram em um ano.
“Caracterizados pela facilidade no acesso e alta relação com as necessidades de consumo de curto prazo, os dois tipos de dívida foram os mais buscados pelos consumidores que tiveram o poder de compra afetado pela alta da inflação no período”, explicou a economista.
Dados do Banco Central (BC) mostram que os juros anuais em todas as linhas de crédito às pessoas físicas atingiram 53,7% em média, em setembro, crescimento de 12,5 p.p. – reflexo da política econômica do governo Bolsonaro de aperto monetário, que fez a taxa básica de juros da economia (Selic) disparar em março de 2021, de 2% ao ano, para os atuais 13,75% ao ano.
Entre os principais tipos de dívidas, o cartão de crédito lidera disparado, sendo apontado por 86,2% dos entrevistados. No mesmo mês do ano passado, o indicador era de 84,9%. Em seguida, estão as dívidas com carnês (19,5%), o financiamento do carro (9%), o crédito pessoal (8,4%) e o financiamento da casa com (8,1%).
Izis Ferreira também alerta para o crescimento tanto do nível de endividamento quanto o de inadimplência para as famílias beneficiárias do programa Auxílio Brasil. Em setembro, o governo Bolsonaro autorizou o empréstimo consignado do Auxílio Brasil com juro de 51,11% ao ano – taxa de juros que supera quaisquer outros empréstimos consignados no país.
Entre setembro e outubro, a pesquisa da CNC observou que o endividamento no consignado teve a primeira alta em cinco meses, com avanço de 0,1 p.p. “Vale notar, ainda, que, nos dias 10 e 11 de outubro, o Google Trends apontou recordes nos índices de busca pelo termo ‘consignado Auxílio Brasil’, justamente quando a Caixa Econômica Federal anunciou a oferta dessa linha de crédito específica para beneficiários desse programa de transferência de renda”, frisou Ferreira.
De acordo com a economista, as pessoas carentes que tomaram o empréstimo possivelmente irão enfrentar mais dificuldades para pagar outras contas, pois passarão a ter uma parcela menor do auxílio disponível. O valor da parcela do empréstimo consignado do Auxílio Brasil é descontado automaticamente pelo banco, evitando o atraso de seu pagamento.
A taxa máxima de juros cobrada dos mutuários do Auxílio Brasil – pessoas carentes que usam o benefício para sobrevivência – é de 3,5% ao mês e o empréstimo poderá ser pago em, no máximo, 24 parcelas. O limite do valor do empréstimo foi estabelecido em R$ 2.569,34.
O governo impôs aos vulneráveis uma taxa de juro máxima maior do que a do consignado de aposentados e pensionistas, 2,14% ao mês. A taxa máxima de juros dos empréstimos do Auxílio Brasil também é maior do que é cobrado em média em outras modalidades de crédito consignado, segundo dados do BC: aposentados e pensionistas do INSS (1,97%), trabalhadores do setor público (1,70%), trabalhadores do setor privado (2,61%), e consignado pessoal total (1,85%).
O economista José Luís Oreiro alerta que, com 33 milhões de pessoas que passam fome e outros 125 milhões numa situação de insegurança alimentar, “as pessoas no desespero, porque não existe racionalidade numa situação dessa, o que elas vão fazer é pegar esse dinheiro para comer”. “Daqui a dois ou três meses essas pessoas, que com o Auxílio Brasil já tinham dificuldade de comprar alimentos, vão ter muito mais dificuldade porque vão entregar quase metade do Auxílio Brasil para os bancos”, criticou o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB).