Privatizada por Bolsonaro em junho deste ano, a direção da Eletrobrás acelerou o desmonte da companhia com o plano de demissão de 2.312 funcionários de um total de 12.018 trabalhadores, através de um Plano de Demissão Voluntária (PDV).
As demissões envolvem a Eletrosul, Chesf, Eletronorte e Furnas, entre outras empresas, atingindo os servidores de maior experiência na companhia que se tornou a maior empresa de energia da América Latina e que permitiu durante anos um sistema integrado, atendendo o conjunto da população brasileira e contribuindo para alavancar a industrialização do país. Na privatização da Eletrobrás, ficaram de fora a Itaipu Binacional e a Eletronuclear (Usinas Angra 1, 2 e 3).
O quadro de funcionários da Eletrobrás é de, aproximadamente, 40,69% de técnicos do nível médio, 54,15% com grau universitário e pós-graduação e 5,16% com ensino fundamental. O corte atingirá mão de obra qualificada.
O processo de privatização da Eletrobrás foi marcado por denúncias de ilegalidades e alertas de especialistas do setor para o crime de lesa-Pátria praticado pelo governo Bolsonaro.
A venda da estatal agravará a explosão dos preços das tarifas, iniciada desde o início da privatização do setor elétrico na década de 90 do século passado.
De acordo com o especialista Roberto Pereira D’Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), “nenhum país de base hidroelétrica significativa privatiza seu setor elétrico. China, Estados Unidos, Canadá, Rússia, Japão, Suécia, Noruega e Índia não caíram nessa esparrela”.
Com base em dados do site Statista, sobre “as mais valoradas” empresas do setor elétrico, Roberto D’Araújo afirmou que “a Eletrobrás não pode valer um quarto de uma empresa inglesa, que tem muito menos transmissão do que Eletrobrás e nenhuma usina”. A décima colocada é a inglesa National Grid, “uma empresa que só tem transmissão, não tem nenhuma usina e vale US$ 44 bilhões”.
“Se uma empresa que só tem transmissão – e muito menos transmissão do que a Eletrobrás – e não tem nenhuma usina vale 44 bilhões de dólares, como é que a Eletrobrás vai valer 10 bilhões de dólares?”, questionou o engenheiro eletricista. “É doar de graça uma empresa com um potencial impressionante”, criticou D’Araújo.
Sobre as tarifas, Roberto D’Araújo destacou em artigo; “em paralelo a esse desmonte da Eletrobras, com privatização ou não, o preço do kWh brasileiro, apesar de todas as vantagens oferecidas pelo nosso território, vem agindo como um carrasco sobre o consumidor, principalmente os mais pobres. Em 1995, marco zero da implantação do mercantilismo e privatização nas entranhas do nosso sistema, a tarifa média residencial era R$ 76/MWh. Hoje, quando não há as bandeiras tarifárias, se paga R$ 666, um aumento de 876%, quando a inflação nesses anos foi de 422%”.
Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP, também criticou a entrega da Eletrobrás para o setor privado: “O controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico. Por esta razão, até nos Estados Unidos, as grandes hidrelétricas pertencem e são operadas por entidades públicas”.
“A energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, as comunicações, o ensino, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo. Assim, as tarifas elétricas não devem visar à maximização de lucros para grupos privados, pois influenciam todos os custos da economia, podendo gerar tendências inflacionárias, inviabilizar indústrias e excluir do consumo as famílias menos favorecidas”, acrescentou Carvalho, lembrando que 77% dos consumidores ingleses querem a reestatização das empresas de energia elétrica que foram privatizadas por Margareth Thatcher.
Com a privatização da Eletrobrás planos como estes de demissão voluntária já eram esperados. A empresa privatizada segue a lógica do lucro, no entanto, na sua condição de monopólio privado, busca e impõe o superlucro, submetendo os compradores dos seus serviços, especialmente os de menor renda, a seus preços abusivos.
A Eletrobrás obteve lucro líquido em 2020 de R$ 1,2 bilhões e em 2021 de R$ 1,6 bilhões. A privatização, em junho de 2022, ocorreu com a venda de 802,1 milhões de ações, com um preço base de R$ 42, em uma operação que movimentou R$ 33,7 bilhões na Bolsa de Valores (B3). Com isso, a participação da União no capital votante da estatal foi reduzida de 68,6% para 40,3%. O dinheiro arrecadado será destinado a pagar juros a bancos, um saco sem fundo que Paulo Guedes, ministro da Economia, dizia que ia reduzir e só aumentou. Em doze meses até outubro, a transferência de recursos públicos para pagamento de juros atingiu R$ 600 bilhões, um recorde histórico.
Entre os principais novos acionistas estão o GIC, fundo soberano de Cingapura, o veículo de investimentos de fundo de pensão canadense CPPIB e a gestora brasileira 3G Radar, ligada ao 3G Capital, uma empresa brasileira-estadunidense de private equity, fundada em 2004 por Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira, Alex Behring e Roberto Thompson Motta, acionistas da InBev, que controla a AmBev.